Eleição na Alemanha

Olá leitor, nessa newsletter vamos falar da eleição na maior economia da Europa, a Alemanha. É um país com uma cultura política totalmente diferente da brasileira, mas que enfrenta uma radicalização à direita que não nos é estranha.
Primeiro, vamos tirar a quinta série do caminho: o parlamento alemão se chama Bundestag, e a sigla de um dos principais partidos do país é "FDP". Dadas as devidas risadinhas, vamos a news.
Informações gerais | |
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População | 83.5 milhões 1 |
Eleitores | 59.2 milhões 2 |
Sistema de votação | Representação proporcional mista |
Sistema de governo | Parlamentarismo |
Próxima eleição | 23-fevereiro-2025 |
Snap Election e o fim da coalizão
No próximo domingo (23-fev) os eleitores alemães vão para às urnas para realizar uma snap election, ou seja, uma eleição fora de época porque a coalizão do governo anterior não conseguiu se sustentar no poder e perdeu um voto de confiança antes da data da eleição oficial (no caso alemão, seria em setembro desse ano).
Diferente de um modelo presidencialista como o brasileiro onde um impeachment é um evento muito traumático, o fim de um governo no sistema parlamentarista é algo mais corriqueiro. No parlamentarismo, o governo acaba quando a coalizão deixa de ter capacidade de governar o país, normalmente sacramentado por um voto de desconfiança. No caso recente, a coalizão Semáforo, liderada pelo chanceler Olaf Scholz, teve a saída do Partido Democrático Livre (FDP) depois de uma crise relacionada ao orçamento federal.
As coalizões no parlamentarismo são uma tecnologia3 muito interessante, porque elas tanto comunicam a cara do governo pra população de forma eficiente quanto deixam claro os partidos que terão cargos ministeriais. Em entrevista à esta newsletter, o professor Norbert Kersting contou um pouco sobre as alianças tradicionais dos partidos na Alemanha e que, como essas alianças eram muito comuns, elas receberam nomes para facilitar a comunicação4.
O partido de Olaf Scholz (Partido Social-Democrata da Alemanha, SPD na sigla em alemão) possui o vermelho como cor principal do seu logo, já o partido FDP a cor amarela. Para completar a coalizão de governo em 2021, se alinharam com os verdes e a coalizão recebeu o nome Semáforo.

Como se vota e como se contam votos na Alemanha?
Uma das características mais interessantes do voto na Alemanha é a adoção da “Representação Proporcional Mista” como sistema eleitoral. Isso é diferente da nossa regra “Representação Proporcional” e também é diferente do “Voto Distrital”, usado no Reino Unido e na França, por exemplo.
A cédula de votação alemã (isso mesmo, cédula de papel, já voltamos pra isso) tem 2 colunas: a da esquerda com o nome dos candidatos da sua região e uma segunda, à direita, com todos os partidos, você vota em uma opção pra cada coluna. Os dois votos são para a disputa de cadeiras no Bundestag, o parlamento alemão.
O Bundestag é unicameral, só tem uma casa legislativa. E não tem votos para o chefe do executivo, ele é escolhido depois por trâmites internos.

Depois da sua escolha, os votos são colocados em um envelope, selados e depositados em uma urna. No final do dia os “mesários” fazem a contagem dos votos da sessão de forma pública e na presença de quem quiser acompanhar, cada pacote de votos é contado por 3 pessoas diferentes e caso os resultados não sejam iguais é conferido adicionando mais alguns mesários5.
A Alemanha experimentou o uso de voto eletrônico em 2005, e em 2009 uma decisão da Corte Constitucional Federal considerou inconstitucional6 o uso de computadores em qualquer etapa da eleição. A decisão sublinha o fato que não houve qualquer evidência de falha ou fraude na eleição que usou as urnas, mas que as urnas não atendiam a necessidade constitucional de que o processo de votação e contagem sejam “verificadas de forma confiável pelo cidadão, sem necessidade de conhecimentos técnicos avançados”.
O professor Kersting comentou também da participação de um famoso grupo de hackers nos debates em torno das máquinas de votar, o “Chaos Computer Club”7. Eles foram fundamentais em demonstrar que as máquinas usadas na eleição possuíam fragilidades importantes e que não havia um processo para saná-las.
Com os votos contados, começa a matemática do processo. As primeiras vagas são ocupadas pelos vencedores dos votos da coluna da esquerda - atualmente existem 299 regiões na Alemanha, então as primeiras 299 cadeiras são ocupadas aqui, eles chamam isso de mandato direto.
Para o cálculo das cadeiras relativas aos votos da coluna da direita o processo começa analisando as cláusulas de barreira, todos os partidos com menos de 5% dos votos e que não tenham 3 mandatos diretos não terão espaço no parlamento.
Na última eleição, o partido Linke teve 4.9% dos votos, mas foi salvo da cláusula de barreira por ter exatamente 3 mandatos diretos. Com isso eles conseguiram um total de 39 assentos no parlamento.
Removidos os partidos fora da cláusula de barreira, as cadeiras são distribuídas de forma que o resultado seja o mais próximo da proporção de votos da segunda coluna. Existe um mínimo de 299 cadeiras que serão distribuídas para esses votos, mas pode ser que para garantir que a proporção esteja correta, mais cadeiras sejam criadas. A matemática pra isso é meio maluca, pra quem quiser detalhes do método joga no Google “Método Sainte-Laguë”8.
Esse método, apesar de aumentar o número de cadeiras no parlamento, garante que um um partido com 40% dos votos terá aproximadamente 40% dos parlamentares. Em um país que não utiliza esse método, pode ocorrer como na última eleição no Reino Unido onde o partido trabalhista teve cerca de 33% dos votos da população porém ocupa 63% das 650 cadeiras do parlamento.
A tecnologia mais interessante que encontrei pesquisando sobre a eleição na Alemanha realmente foi a ideia de Representação Proporcional Mista, com um parlamento que pode ser um pouco maior para garantir que a distribuição de cadeiras seja proporcional. Talvez valha uma edição só sobre os métodos de distribuição de parlamentares que existem.
No futuro próximo a Alemanha deve seguir sendo governada por uma das coalizões tradicionais com nomes curiosos: tanto a coalizão ‘Kiwi’ quanto a ‘Quênia’ tem chances de serem as próximas coalizões. Mas o maior partido na oposição será pela primeira vez o “Alternativa para Alemanha” (AfD), partido de extrema direita, que recebeu apoio explícito de Elon Musk e é considerado pela própria inteligência alemã como um risco para a democracia.9
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Alemanha tem um site super legal de estatísticas, fácil pra achar essas informações populacionais. ↩
O mesmo site postou uma notícia com o número de eleitores. ↩
Lembrando que adotamos uma definição ampla de tecnologia aqui, tá lá no nosso glossário. ↩
Trecho da entrevista no Youtube. O professor Kersting contextualiza o histórico dos partidos na Alemanha. ↩
Entrevista com uma mesária sobre o processo de contagem de votos. ↩
Press release da decisão da corte alemã sobre a proibição de urnas eletrônicas. ↩
Outro trecho da entrevista no Youtube. Falando sobre o processo alemão de proibição das urnas eletrônicas. ↩
Não precisa jogar no Google não, a explicação da Wikipedia é boa. ↩