Identificando eleitores

Olá, Lucas Lago aqui. A votação mais importante desde a última edição foi a do Oscar e Ainda Estou Aqui trouxe pro Brasil o prêmio de melhor filme internacional! Acredito que deveríamos apurar se houve fraude na votação de melhor atriz.
Hoje ostento o meu chapéu de Engenheiro da Computação, pois esta é a primeira edição que vamos falar sobre uma tecnologia e não sobre uma eleição, então vamos aprofundar bastante no assunto.
Eu decidi começar falando de um assunto em que talvez a tecnologia eleitoral brasileira seja uma das mais avançadas do mundo: a identificação de eleitores. Vou focar especialmente na tecnologia de reconhecimento de impressões digitais.
Requisitos conflitantes
Eleições são um desafio tecnológico bastante único, porque, diferente de outras empreitadas, elas possuem requisitos1 conflitantes e indispensáveis.
Por exemplo, já antes de votar temos o primeiro conflito: identificação vs. anonimato.
Para garantir que cada eleitor votou somente uma vez, precisamos identificar de forma única cada um dos eleitores. Para garantir que cada voto é secreto, não podemos ter nenhuma forma de identificar quem depositou2 o voto.
Inclusive, no Teste Público de Segurança (TPS) de 20123, um dos planos de ataque era exatamente verificar se era factível identificar eleitores a partir de falhas no algoritmo que embaralhava os votos. Os investigadores mostraram que era sim possível com esforço moderado4 e a equipe de desenvolvimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) corrigiu a falha em seguida.
Esses requisitos conflitantes são parte do motivo de você vai encontrar tanta gente da área da computação interessada em eleições. A gente adora5 esse tipo de desafio.
Como identificamos cada eleitor?
O processo de identificação de um eleitor varia de país pra país (e às vezes varia dentro do mesmo país) e as tecnologias utilizadas também variam muito.
No Brasil, passamos por algumas alterações recentes no processo: abolimos a obrigatoriedade do título de eleitor e adicionamos leitura de digitais no processo de identificação.
Atualmente, qualquer documento oficial com foto é suficiente para comprovar a sua identidade no processo eleitoral do Brasil. Isso parece básico para nós brasileiros, mas em outros países nem sempre é assim e o assunto é especialmente espinhoso nos Estados Unidos, onde a obrigatoriedade de documentos é usada como ferramenta de supressão de votos6 de comunidades marginalizadas.
Por aqui, além da identificação via documento oficial com foto, no dia da eleição é feita a leitura da nossa impressão digital no terminal do mesário. Caso a digital seja corretamente identificada, o mesário habilita a urna eletrônica para que o eleitor registre seu voto. Quando a digital não é reconhecida por 3 vezes, o mesário pode habilitar a urna desde que o eleitor responda corretamente seu ano de nascimento.
Como funciona o reconhecimento da impressão digital?
Quem votou aqui em 2024, colocou o dedo em um leitor de digitais da marca HID7, que enviou uma foto preto e branco com uma boa resolução para um algoritmo de reconhecimento de minúcias.
Minúcia é o nome técnico dado para as pequenas variações encontradas na impressão digital, como bifurcações, extremidades, ilhas entre outras pequenas variações.

Simplificando bastante o processo, ele é dividido em duas partes. Primeiro, um algoritmo que localiza as minúcias na imagem enviada vai mapear o tipo de minúcia e a sua localização em relação à todas as outras minúcias encontradas. Essa informação vai gerar uma massa de dados única.
A segunda parte do processo consiste em comparar essa massa de dados gerada a partir da imagem com todas as impressões digitais já armazenadas anteriormente, levando em conta que o dedo pode estar numa posição diferente, pode ter sido pressionado com mais ou menos força, ou pode ter sido alterado por uma lesão, por exemplo.
Caso o algoritmo encontre uma similaridade entre as minúcias coletadas durante a eleição e as da base, ele confirma a identidade do eleitor.
Vale lembrar que o TSE realizou convênios com diversos órgãos para conseguir montar essa base de dados de digitais.
Por isso, muita gente que nunca cadastrou a biometria para esse fim específico conseguiu ser liberado no terminal do mesário sem problemas. Segundo o TSE, nesses casos a biometria foi “confirmada” durante a eleição.
Na eleição de 2022, as forças armadas decidiram que no teste de integridade (“votação paralela”) era fundamental o uso da identificação por meio de impressões digitais9. Uma ótima ideia, porque aproximaria a votação simulada do caso real. Porém, falharam ao recrutar pessoas suficientes para o teste e ele acabou tendo resultados pouco relevantes.
Depois de todo esse trabalho para identificar os eleitores, o esforço seguinte dos sistemas de votação são para garantir que o voto depositado não possa identificar o eleitor.
Antigamente, era só chacoalhar a urna algumas vezes que ninguém mais sabia quem depositou qual voto ali dentro. No caso da urna eletrônica, usamos algoritmos criptográficos para chacoalhar os votos - mas isso comentamos em uma outra edição.
Eleições pra ficarmos de olho em março
Como eu disse lá na abertura, a eleição mais importante com resultado agora em março foi o Oscar. E o Brasil finalmente trouxe uma estatueta pra casa!
A Groenlândia vai ter uma eleição em março que pode ser interessante acompanhar, dado que o território está discutindo a própria independência enquanto é ameaçado de anexação pelo governo dos EUA.
As outras eleições nacionais em março tem repercussão menor aqui no Brasil: Tajiquistão (2-mar e 28-mar), Micronésia (4-mar), Belize (12-mar), Curaçao (21-mar) e Togo (28-mar).
Na próxima edição vamos falar da eleição no Equador: como foi o primeiro turno, o que vai rolar no segundo turno em abril e como foi o experimento deles com urnas eletrônicas brasileiras.
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Um requisito é uma ‘capacidade’ que um sistema deve atender para realizar suas funções de forma satisfatória. ↩
Mesmo no caso de urna eletrônica como a brasileira, vou usar o termo “depositar o voto” para indicar a ação do eleitor de colocar o próprio voto na urna. ↩
Uma notícia do TSE sobre o TPS de 2012 aqui. Eventualmente, entrevistaremos o Diego Aranha pra falar de “algoritmos de sorteio” nesta newsletter. ↩
Era simples encontrar a ordem dos votos, o esforço maior seria em acompanhar uma seção eleitoral para confirmar também a ordem em que os eleitores entraram. ↩
Não sei se todos da área da computação, mas uma quantidade desproporcional em relação a outras áreas do conhecimento. ↩
O Brennan Center faz pesquisas ótimas sobre o impacto de diferentes legislações sobre os eleitores nos diferentes estados americanos. ↩
A HID apresentou o seu material em audiência pública do TSE em 2019. ↩
Os links da Wikimedia para as fotos da bifurcação, ilha e terminação. ↩
O projeto piloto de uso de biometria no teste de integridade é comentado na página 12 do relatório. ↩