Impressa e Auditável

Inscrever-se
Arquivo
Abril 3, 2025

O elogio de Trump

Olá, Lucas Lago aqui. O que acharam da edição sobre o segundo turno do Equador? Eu adorei entrevistar o Ola Bini e a Sara Zambrano para me preparar para a edição.

A perspectiva de quem tá vivendo o processo lá é muito diferente do que a gente pega no noticiário internacional.

Hoje voltamos a falar de tecnologia, mas com um toque de eleição americana, já que o presidente Donald Trump usou o Brasil de exemplo na sua proposta de alteração do sistema eleitoral de lá.


O decreto da Casa Branca

Dando uma lida no decreto do dia 25 de março intitulado “PRESERVING AND PROTECTING THE INTEGRITY OF AMERICAN ELECTIONS” encontramos vários países sendo citados na primeira seção para exemplificar pontos do processo eleitoral onde, para o governo de Donald Trump, os Estados Unidos falham. É ali que encontramos o suposto elogio ao Brasil (e à Índia, no mesmo ponto):

India and Brazil, for example, are tying voter identification to a biometric database, while the United States largely relies on self-attestation for citizenship.

Minha tradução abaixo:

Por exemplo, Índia e Brasil estão usando bancos de dados de identificação biométrica para realizar identificação de eleitores, enquanto os Estados Unidos ainda se baseia em autodeclaração para cidadania.

O meme “Brazil mentioned” é baseado na personagem Yui do anime K-ON!. Todas essas informações são irrelevante pro nosso contexto.

A mesma seção ainda cita Alemanha e Canadá como exemplo para contagem de votos e Dinamarca e Suécia para votos pelo correio. O projeto da Casa Branca busca mitigar eventuais falhas nesses três pontos.

E os três pontos são passíveis de melhorias - do ponto de vista técnico. Mas não sei se a constituição americana concorda com as alterações – alguém conhece um bom pesquisador da área?


Voto é direito ou voto é obrigação?

É impossível separar esse projeto de lei do contexto maior da presidência de Donald Trump, especialmente dos pontos indicados no Projeto 2025 (site oficial aqui, matéria explicativa da BBC aqui).

As alterações no processo eleitoral é um dos itens do projeto, e envolve entre outras coisas:

  • Acesso federal à listas de eleitores estaduais;

  • Encerramento do projeto do governo anterior de estímulo à participação eleitoral.

A organização das eleições nos EUA é responsabilidade dos estados, não existe um órgão em âmbito federal que dita as regras como o Tribunal Superior Eleitoral aqui no Brasil. Regras básicas como ‘qual documento é válido no dia da eleição’ são diferentes entre os estados.

Tradicionalmente, estados controlados pelo partido democrata possuem regras menos rígidas e estimulam ao máximo a participação. Enquanto os estados republicanos possuem regras rígidas e, às vezes, desestimulam a participação eleitoral de certos grupos (na eleição americana falaremos de gerrymandering).

A proposta atual do Trump é de basicamente aplicar as regras rígidas dos estados republicanos nacionalmente. Exigindo documentos específicos para votar – e eventualmente um cadastro biométrico.

Aqui é onde a diferença entre a forma que os EUA (especialmente em estados republicanos) e o Brasil e a Índia atuam é crucial.

No Brasil, votar é além de um direito, algo compulsório. Por conta disso, o TSE é obrigado a garantir que qualquer requisito imposto ao cidadão seja acessível para ele de forma gratuita e facilitada.

Todo documento que o TSE exige para o brasileiro votar, sempre esteve disponível gratuitamente para quem não consegue pagar.

E na Índia, apesar do voto não ser compulsório, existe um esforço do governo em garantir o acesso ao direito do voto. Por exemplo, existe uma regra que fala que "nenhum cidadão pode estar a mais de 2 quilômetros de uma zona eleitoral".

O projeto do Trump, nesse ponto, parece mais um esforço para afastar pessoas que terão dificuldades em conseguir se ajustar as novas regras de participarem do processo.


E a nossa urna? Foi elogiada?

Não foi elogiada, e ao ler com cuidado podemos ver que ela foi criticada. Em outro trecho ainda da seção 1 do documento lê-se:

Germany and Canada require use of paper ballots, counted in public by local officials, which substantially reduces the number of disputes as compared to the American patchwork of voting methods that can lead to basic chain-of-custody problems.

Na minha tradução livre:

Canadá e Alemanha exigem o uso de cédulas de papel que são contadas em público por oficiais locais, isso reduz o número de disputas judiciais se compararmos com a colcha de retalhos de métodos de votação americana que leva a problemas de cadeia de custódia.

Aqui o documento da Casa Branca ecoa os mais ferrenhos críticos da urna ao demandar que exista uma contagem pública de votos em cédulas de papel.

Nada de PRILILILIN na eleição americana.


Próximas eleições:

Aconteceu um bocado de coisa no mundo, então teremos eleições muito importantes em 4 países nos meses de Abril e Maio:

  • Portugal, porque o governo não sobreviveu a um voto de desconfiança agora em março. A eleição acontece dia 18.mai.

  • No dia 4.mai, a Austrália vai às urnas - lá não rolou nada especial, mas eles poderiam ter escolhido outras datas.

  • Na Romênia, o primeiro turno da eleição que ocorreu no final de 2024 foi cancelado e teremos uma segunda tentativa também no dia 4.mai.

  • E o Canadá também terá eleições em breve, dia 28.abr. O Justin Trudeau saiu da liderança do partido e seu substituto chamou as eleições.

Vou tentar encaixar todas em uma agenda para não deixar nada de fora. Então talvez não tenha alguma edição exclusiva sobre tecnologia em Maio.


Para aprofundar mais sobre eleições na Índia

Primeiro uma reportagem lindamente ilustrada da Reuters:

India's election 2024: A logistical triumph across a vast polling network

Poll workers reach India’s most remote corners to set up polling stations

E segundo uma reportagem do Daily Show:

Não perca o que vem a seguir. Inscreva-se em Impressa e Auditável: