O novo código eleitoral

Olá, Lucas Lago aqui. Voltamos nessa edição com uma pauta de tecnologia. Ainda mais interessante, vamos falar de código! Do código eleitoral e das propostas de reforma que estão sob análise do Senado.
Aproveito para deixar aqui o link de um ensaio do Lawrence Lessig sobre Código, Leis e as liberdades do ciberespaço. Não tem relação com a edição da newsletter, mas é uma baita leitura.
Como não entendo nada de legislação, pedi ajuda para a Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP. E o Dr. Luciano Caparroz Santos deu uma aula para os nossos leitores.
Trago lá no finzinho resultados da eleição no Japão. Extrema-direita e nacionalismo estão em alta por lá.
A cronologia da reforma do código eleitoral
Nossas eleições possuem atualmente como base legal um código que foi elaborado no ano de 1965. Isso mesmo, 1965. Como diria o Renan, do Choque de Cultura: “Brasil é bagunça”.
Mas apesar de desenvolvido no início da ditadura, esse código organizou as atribuições do Tribunal Superior Eleitoral, instituiu o voto obrigatório e definiu regras para campanhas eleitorais.
O código sofreu diversas alterações nesses 60 anos, e outras leis, como a Lei dos Partidos, foram criadas. Mas a alteração discutida agora promete ser mais abrangente e consolidar melhor as regras das eleições no Brasil.
Em 3.ago.21 a deputada Soraya Santos (PL/RJ) apresentou o PLP 112/2021, que tem uma ementa sucinta: “Institui o Código Eleitoral”. Em 16.set.21, 44 dias depois, o projeto foi aprovado e enviado ao Senado Federal.
Achou esquisito o tempo recorde de aprovação do projeto na Câmara? Duas coisas explicam essa velocidade: estávamos em plena pandemia e o presidente da Câmara era Arthur Lira.
A pandemia forçou a Câmara a se reorganizar, por conta da impossibilidade de reuniões presenciais. Arthur Lira aproveitou para reduzir o espaço de debates. Houveram decisões de pedidos de urgência aprovados em menos de 30 segundos.
O PLP 112/2021 foi pouquíssimo debatido na Câmara e remetido para o Senado Federal, com a relatoria do senador Marcelo Castro. Nesses quase 4 anos de tramitação o projeto já recebeu 373 pedidos de emendas de outros senadores, porém houve pouco debate com instituições fora do legislativo.
No fim das contas, o que muda?
O principal da minha conversa com o Dr. Luciano foram explicações sobre as principais alterações que a reforma propõe.
Do lado computacional, poucas mudanças no projeto de lei. Não tem nada sobre Inteligência Artificial, por exemplo. Muda um pouco sobre propaganda na internet e apenas define melhor quais instituições podem participar das etapas de auditoria* das urnas eletrônicas. Nesses temas, o Tribunal Superior Eleitoral continua tendo bastante autonomia para definir as regras das eleições.
Uma mudança que tem sofrido muita resistência, segundo nosso entrevistado, é a alteração da cota para mulheres. O projeto original, previa que 30% das candidaturas deveriam ser de mulheres. O texto foi substituído adaptando uma ideia proposta pela senadora Eliziane Gama, para garantir que 20% das cadeiras sejam ocupadas por mulheres.
Apesar de parecer que essa alteração vai garantir espaço para mulheres no legislativo especialmente em cidades pequenas, ele também vai permitir que candidaturas de mulheres sejam “mais baratas”, já que elas terão algumas vagas reservadas.
O código prevê 30% de gastos garantidos para mulheres. Mas, isso foi facilmente manobrado pelos partidos nos últimos anos. Pode ser que ao aumentar o espaço garantido das mulheres no legislativo, elas percam ainda mais espaço no debate eleitoral.
Atualmente o Brasil já conta com 18% de mulheres na câmara de deputados e 19% no senado. Essas mudanças terão baixo impacto a nível nacional.

A outra mudança, que particularmente é minha favorita, é a alteração nas regras de “Desincompatibilização”.
Juízes, membros do Ministério Público, policiais federais, rodoviários federais, civis e militares, guardas municipais e membros das Forças Armadas deverão se afastar de seus cargos quatro anos antes das eleições se quiserem concorrer.
Isso é essencial porque em instituições com hierarquia muito rígida, pessoas no topo possuem influência desproporcional nas pessoas abaixo simplesmente por causa da estrutura. Um general, por exemplo, que possua milhares de pessoas como seus subordinados teria uma base de eleitores que o respeitam por conta dessa hierarquia.
O projeto de lei é gigantesco (quase 900 artigos!) e tem pequenas mudanças em diversas áreas. Mas acredito que as duas acima sejam as principais. Vamos continuar acompanhando a tramitação caso surjam coisas interessantes sobre tecnologias digitais abriremos uma nova edição pra focar nisso.
Resultados no Japão
O governo japonês sai enfraquecido da eleição para a Câmara alta (equivalente ao Senado) desse domingo (20.jul). O principal partido da coalizão governista, o Partido Liberal Democrático (PLD), governa o país essencialmente desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Mas nessa eleição o partido de extrema-direita Sanseito conseguiu retirar 14 cadeiras da coalizão conservadora. Esse partido é de 2020 e foi fundado pelo streamer Kazuya Kyoumoto.
A política no Japão tem seus altos e baixos, mas o partido tradicional perder espaço pro partido do Monark deles é completamente surpreendente.
O primeiro-ministro, Shigeru Ishiba, deve seguir no governo com minoria nas duas casas. E, de quebra, segue enfrentando uma alta de mais de 70% no preço do arroz.
Na próxima edição vamos falar da eleição boliviana. Vou tentar entender o racha interno no partido governista e quais as chances dos candidatos de direita.
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* Nem todas as etapas seriam classificadas como auditoria em uma definição mais rígida. Eventualmente uma edição sobre esse conceito será necessária.