Segundo turno no Equador

Olá, Lucas Lago aqui. Primeiro queria agradecer os feedbacks que recebi relacionado ao uso de notas de rodapé, elas não funcionam bem no mobile e em alguns clientes de e-mail. Então escrevi essa edição sem usar esse recurso.
Pra preparar essa edição conversei com colegas do Equador que fazem parte do Centro de Autonomia Digital, organização do Equador que tem como missão melhorar a soberania digital dos cidadãos do país. Falei com Ola Bini e Sara Zambrano.
Vamos falar da eleição desse vizinho sul-americano que não faz fronteira com a gente, mas amamos ele mesmo assim. Uma eleição que está polarizada entre um candidato de direita e uma candidata de esquerda, para a surpresa de ninguém.
Informações gerais - Equador | |
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População | 19.9 milhões |
Eleitores | 13.7 milhões |
Sistema de votação | Majoritário com dois turnos |
Sistema de governo | Presidencialista |
Próxima eleição | 14-abril-2025 (segundo turno) |
O príncipe das bananas tem dificuldades no segundo turno
Acontece agora em 13 de Abril o segundo turno das eleições do Equador, após a decisão em 2023 do ex-presidente Guillermo Lasso de utilizar o instrumento da “morte cruzada” para dissolver o congresso e chamar novas eleições.
O instrumento da “morte cruzada” acaba causando um efeito similar de um voto de desconfiança num governo parlamentarista. A diferença no caso é que a eleição foi para um mandato tampão de poucos anos.
Ainda na disputa estão Daniel Noboa, atual presidente do tal mandato tampão e apelidado de ‘príncipe das bananas’ por conta da origem da fortuna de sua família, e Luisa Gonzáles, candidata pelo Movimiento Revolución Ciudadana partido que tem o ex-presidente Rafael Correa como um de seus líderes.
Ambos conseguiram cerca de 44% dos votos no primeiro turno, com o candidato indígena Leonidas Iza com pouco mais de 5% dos votos. Leonidas já declarou apoio a Luisa Gonzáles.
O Equador segue a tradição de cédulas eleitorais gigantes aqui da América Latina, é possível dar uma olhada nela aqui no vídeo institucional do Consejo Nacional Electoral. Em 2014 o país testou 3 modelos de urna eletrônica: um russo, um venezuelano e um argentino. Apesar das notícias indicarem que os testes foram bem sucedidos, a adoção não avançou.
O conselho nacional eleitoral e os “5 poderes do Estado no Equador”
Em 2008, o Equador escreveu uma nova constituição depois de vários períodos turbulentos e ela contém uma inovação na organização do Estado: uma divisão dos poderes do estado em 5 funções independentes.
Além das 3 que já estamos acostumados, executiva, legislativa e judiciária, o Equador conta com uma função eleitoral e uma função de controle social e transparência. A ideia de dar independência para essas funções é impedir que fossem capturadas por interesses políticos.
O Consejo Nacional Electoral (CNE) substituiu o Tribunal Superior Eleitoral equatoriano que, apesar de ter certa independência, era influenciado pelo Congresso Nacional. Atualmente a escolha dos cinco ‘vocales’ que comandam o órgão é realizada com uma participação mais direta da população.
O processo atual envolve uma avaliação dos candidatos por uma comissão formada por 5 membros do Consejo de Participación Ciudadana y Control Social (CPCCS, órgão também independente com intensa participação popular) e 5 membros de órgãos do Estado.
Esse comitê coordena o processo que envolve inclusive análise de currículo e sabatinas com cidadãos. Os melhores candidatos são então nomeados pelo CPCCS.
Apesar da independência do órgão e da transparência na seleção dos membros, o CNE não foi capaz de se impor perante o presidente Noboa, que ignorou a constituição ao recusar se afastar da presidência durante os 30 dias de campanha eleitoral.
A urna brasileira no Equador
Além dos três modelos testados em 2014, o Equador testou a urna eletrônica brasileira, lá nos idos de 2004 - logo depois do TSE brasileiro adotar o Registro Digital do Voto após testes com o voto impresso.
Todas as notícias indicam que os testes, tanto em 2004 quanto em 2014, foram bem sucedidos e que os eleitores e o órgão eleitoral aprovaram a experiência, mas o CNE decidiu seguir com métodos de votação tradicionais.
Apesar de não utilizarem máquinas de votar, o Equador tentou em 2023 usar um sistema de votação via internet para os equatorianos vivendo no exterior.
A missão de observação da OEA que acompanhou as eleições apontou que o país usou software proprietário, não conseguiu garantir que os votos eram únicos e as atas com as totalizações internacionais não estavam disponíveis dois dias depois da votação.
O CNE ‘explicou’ que o sistema foi atacado e por isso aconteceram esses problemas. O link para o relatório da OEA que menciona esse desastre pode ser lido aqui (página 11).
O principal receio na adoção da urna eletrônica no Equador foi que essa tecnologia pode dificultar a detecção de fraude ou erro que altere significativamente o resultado de uma eleição. Métodos tradicionais (papel e caneta) são menos propensos a falhas e ataques de larga escala.
O problema desse hiperfoco nas máquinas de votar é que ele acaba nos deixando míopes para ataques contra o processo eleitoral que acontecem longe dela - como a recusa do presidente de cumprir a regra eleitoral do país.
De longe a tecnologia mais interessante na questão eleitoral do Equador é a independência da função eleitoral com a criação do CNE junto com a proposta de intensa participação popular na definição da sua gestão, coordenada pelo CPCCS.
Já ouvi muita gente comentando de que essa adoção no Brasil seria bem-vinda, já que a criação de uma estrutura independente iria melhorar a administração das nossas eleições.
Na entrevista, Ola e Sara apontaram que, no papel as duas agências CNE e CPCCS são boas adições para a democracia, mas no mundo real foram capturadas por dinâmicas partidárias e refletem as disputas entre os partidos.
Além disso, a eleição atual no Equador mostra que uma corte com menos ‘peso’ pode não conseguir conter os ataques de um autocrata.
A conversa com a autonomia.digital está no YouTube aqui. Inclusive quem tiver dicas de como organizar melhor essas gravações mandem email.
Perdeu os vídeos da conversa com o Professor Norbert na edição sobre a Alemanha? Os dois trechos estão no YouTube aqui e aqui.
Referências e sites consultados para escrever essa edição:
Próprio site do CNE. Especialmente as sessões de estatísticas.
O site “Equador em cifras” que tem os dados oficiais de população.
Para dar uma olhada nas notícias e me preparar pro papo usei principalmente o El País em espanhol e um bom resumo do primeiro turno da eleição no The Guardian.